Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial de uma consumidora contra a Renault do Brasil S/A pelo não funcionamento do air bag em uma colisão que envolveu o veículo da autora. Os ministros reformaram decisão de segunda instância que afastou a responsabilidade da montadora porque a consumidora não conseguiu provar o defeito no sistema.
O acidente aconteceu em 2004, na cidade de Porto Alegre (RS). O automóvel da consumidora, um Renault, foi atingido pela frente por outro veículo. Apesar do uso do cinto de segurança, a proprietária sofreu diversas lesões, principalmente no rosto, tendo de ser submetida a cirurgia de rinoseptoplastia.
Como o veículo possuía sistema de air bag, e este não foi acionado no momento da colisão, a consumidora ajuizou ação de indenização contra a Renault, sob a alegação de que as graves lesões sofridas não teriam ocorrido caso o item de segurança tivesse funcionado adequadamente.
Indenização negada
A perícia foi realizada após o conserto do carro, de forma que o laudo confrontou apenas informações sobre o funcionamento do air bag e as características da colisão. A conclusão do perito foi de que, apesar de identificar o choque, o sistema interpretou que as condições de desaceleração não eram suficientes para acionar o dispositivo.
A sentença acolheu o laudo pericial. “Nada indica que o air bag instalado pela fabricante, quando do acidente, não foi acionado pelo sistema de comando, em razão de defeito no produto, mas por ausência das condições especificadas no manual para o seu funcionamento. Não procede, assim, os pedidos indenizatórios formulados pela autora”, concluiu o juiz.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) também negou o pedido da motorista. Para o TJRS, como não ficou provada a existência de falha no sistema de acionamento do air bag, “as consequências processuais negativas deveriam ser suportadas pela consumidora, que falhou em sua oportunidade de provar os fatos constitutivos de seu direito”.
Ônus da prova
No STJ, entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, observou que as decisões de primeira e segunda instância foram contrárias ao entendimento já consolidado no STJ. “Não poderia o acórdão ter repassado os encargos da prova para a consumidora com o fito de isentar a fornecedora pela responsabilidade de seu produto”, disse Salomão.
O relator destacou que o parágrafo 3º do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que o fornecedor só não será responsabilizado se provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
“É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (artigo 6º, inciso VIII do CDC) e inversão ope legis (artigo 12, parágrafo 3º e artigo 14, parágrafo 3º do CDC)”, disse.
Recurso provido
Em relação ao laudo pericial, Salomão entendeu que as considerações do perito também não foram suficientemente conclusivas e, por isso, deveriam ser interpretadas em favor da consumidora, vulnerável e hipossuficiente.
“Levando-se em conta o fato de a causa de pedir apontar para hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, não havendo este se desincumbido do ônus que lhe cabia – inversão ope legis –, é de se concluir pela procedência do pedido autoral com o reconhecimento do defeito do produto”, concluiu.
Além da indenização pelos prejuízos materiais sofridos, a consumidora receberá R$ 20 mil por danos morais.