Uma mulher que renunciou formalmente aos alimentos do ex-companheiro teve reconhecido o direito de produzir provas do recebimento de valores por dez meses após a separação. Ela reivindica a continuidade dos pagamentos e diz que, ao assumir a obrigação, mesmo diante da renúncia, ele desistiu da liberação acordada. Para que seja possível a comprovação dos fatos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial interposto pela mulher.
O casal, que viveu junto por aproximadamente oito anos, desfez a união estável por escritura pública, em que foi dividido o patrimônio e registrada a renúncia expressa da mulher a alimentos. Mesmo assim, o ex-companheiro teria pago R$ 50 mil por dez meses, ditos como pensão, até o dia em que interrompeu o pagamento.
A mulher, que durante o casamento manteve padrão de vida elevado, entrou com ação para que a pensão voltasse a ser paga, apesar da renúncia. Sustentou que seu ex-companheiro havia reconhecido a obrigação de ajudá-la.
Contudo, o processo foi extinto, sem resolução de mérito, antes da fase de produção de provas. O juiz entendeu que, em razão de a mulher ter dispensado os alimentos, a interrupção do pagamento feito pelo ex-companheiro não lhe traria nenhum prejuízo adicional.
Inconformada, ela recorreu, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, ao entendimento de que, no momento da separação, a mulher havia admitido que teria condições para o próprio sustento. Para o tribunal local, a liberalidade do homem ao fornecer pensão, mesmo sem necessitar, não o obriga a fazê-lo para sempre.
Controvérsia
No STJ, a ministra relatora, Nancy Andrighi, destacou que o possível acordo verbal que teria resultado nos pagamentos não é o principal no caso. A afirmação foi feita pela mulher, mas negada pelo ex-companheiro, gerando controvérsia. As alegações não foram comprovadas nas outras instâncias, já que a sentença extinguiu o processo sem a resolução do mérito.
A ministra afirmou que, em princípio, a renúncia impossibilita o pleito de novos alimentos. Quando a mulher renunciou ao recebimento, deixou de ter o direito de discutir a respeito da obtenção de novas pensões.
“Mas não impossibilita que a parte a quem a renúncia beneficie os preste por liberalidade”, disse. O ex-companheiro podia conceder, por vontade própria, o benefício. Fosse durante alguns momentos de necessidade, fosse para sempre. “Tudo depende de prova”, destacou a ministra.
Por outro lado, uma pessoa que perdeu o direito ao benefício, por algum motivo, pode recuperá-lo a partir de novo compromisso das partes, seja ele escrito, verbal ou pelo “comportamento reiterado das partes, que pela sua repetição venha a indicar uma intenção duradoura de instaurar uma nova relação jurídica”.
Boa-fé objetiva
Para a ministra Andrighi, o compromisso assumido voluntariamente pelo ex-companheiro, se comprovado, teria sido gerado por “boa-fé objetiva pós-contratual”. Ou seja, após a separação, a manutenção do pagamento mensal de R$ 50 mil, mesmo com a renúncia da mulher, seria, pelo menos em princípio, uma forma de amparar os interesses de ambos os parceiros.
A ministra disse que se poderia chegar a essa conclusão a partir da “existência do comportamento reiterado, dos motivos desse comportamento, do seu conteúdo, da sua duração, das promessas a ele inerentes, enfim, de todas as circunstâncias fáticas dos pagamentos alegadamente feitos” pelo ex-companheiro.
Contudo, de acordo com a relatora, é impossível afirmar o ocorrido sem que a mulher tenha o direito de comprovar suas alegações. “O julgamento não pode ser feito com base em ponderações, se é possível um juízo de certeza”, alertou.
Diante disso, a Terceira Turma do STJ deu provimento de forma unânime ao recurso especial, para que as provas da continuidade na prestação da pensão alimentícia possam ser produzidas.