A República Federal da Alemanha não abriu mão da imunidade de jurisdição a que tem direito e, por isso, a Justiça brasileira não irá processar a ação de indenização movida contra aquele estado por uma vítima do nazismo. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como legítima a nota verbal pela qual a Alemanha informa não aceitar a jurisdição nacional, direcionada ao Itamaraty e levada aos autos do processo.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou correto o procedimento do juízo de primeiro grau, que comunicou ao embaixador da Alemanha no Brasil sobre a existência da ação, por intermédio do Itamaraty. Da mesma forma, a resposta veio aos autos por comunicação do órgão do governo brasileiro, após nota verbal da embaixada da Alemanha.
Conforme lembrou a relatora, a imunidade de jurisdição não é uma regra que automaticamente deva ser aplicada aos processos judiciais movidos contra estado estrangeiro. “Trata-se, na realidade, de um direito que pode, ou não, ser exercido por esse estado”, salientou.
Além disso, podem ser submetidas à jurisdição brasileira as demandas cuja causa de pedir envolva apenas atos de gestão (atos pelos quais “o estado se conduz no uso das prerrogativas comuns a todos os cidadãos”). Nessa linha de entendimento, esclareceu a ministra, qualquer discussão sobre eventual responsabilidade civil por ato ilícito deve passar, primeiro, pela identificação da natureza do ato praticado por esse estado, tendo em vista que, em se tratando de atos de império (atos que envolvem diretamente matéria de soberania), estará imune à jurisdição brasileira.
O caso
Um francês naturalizado brasileiro ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a Alemanha. Sustentou que, em 1940, com a ocupação da França pelas tropas nazistas, ele, à época uma criança judia, sofreu todo tipo de perseguições e humilhações em Paris, onde morava.
Em primeiro grau, a ação foi julgada extinta, sem resolução de mérito, antes mesmo da citação. Houve recurso ao STJ (RO 64), que determinou a continuidade do processo, com a “citação” da Alemanha. Nova sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito após a recusa do país estrangeiro em se submeter à jurisdição brasileira.
Em novo recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que a manifestação da Alemanha teria, necessariamente, de ser feita por mandatário com capacidade postulatória, nos termos do artigo 36 do Código de Processo Civil, e que a ausência desse requisito a sujeitaria à regra de revelia do artigo 319 do CPC.
Termo impróprio
A ministra Nancy Andrighi observou que o termo “citação”, utilizado no acórdão do RO 64, foi posteriormente considerado impróprio pelo STJ para se referir ao ato de comunicação do estado estrangeiro a fim de que manifeste a sua intenção de se submeter ou não à jurisdição brasileira. Conforme salientou a magistrada, a comunicação não é a citação prevista no artigo 213 do CPC, e nem mesmo de intimação se trata.