O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ocorrência de publicidade enganosa na venda de unidades de empreendimento localizado na zona sul do Rio de Janeiro. Apesar de ter sido anunciado como hotel ou apart-hotel com serviços, o Meliá Barra Confort First Class, na Barra da Tijuca, acabou sendo interditado pela prefeitura e tendo alterada a sua função para mero residencial com serviços.
A Quarta Turma examinou recurso em que os compradores de sete unidades alegavam ter sido vítimas de propaganda enganosa. O grupo ajuizou ação de anulação de contratos de compra e venda, bem como a restituição das quantias pagas. Pediram, também, indenização por perdas e danos e reparação por danos morais. O investimento teria sido de cerca de R$ 2 milhões.
Os compradores afirmaram que o projeto anunciado era de hotel ou apart-hotel com serviços, a ser administrado em regime de pool hoteleiro pela empresa Meliá, garantindo renda mensal aos investidores. No entanto, teria sido dolosamente omitida a inexistência de autorização municipal para atividade econômica naquele local. Houve a interdição temporária do estabelecimento pela prefeitura, por se tratar de área de proteção ambiental e porque não estava autorizado a realizar atividades econômicas em seu interior, funcionando como atividade hoteleira.
A solução apresentada foi, então, adaptar o empreendimento, construindo um prédio anexo com centro de convenções, restaurante, cafeteria, lavanderia e outros serviços, com a cobrança de novos valores aos compradores. Os proprietários disseram, ainda, que o empreendimento estaria fadado a ser “mero condomínio residencial multifamiliar com serviços, destoando do projeto inicial” e, por conseguinte, das suas aspirações.
Em primeiro grau, o pedido foi julgado procedente, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença, entendendo que não houve propaganda enganosa, pois haveria referência ao projeto residencial em todos os documentos. Assim, considerou válido o negócio, não reconheceu a ocorrência de lucros cessantes e afirmou ser descabida a restituição de valores pagos, bem como a indenização por danos morais.
Anulação do negócio
Os compradores recorreram. Ao analisar o caso, o ministro Salomão, relator do recurso, identificou a relação de consumo entre as empresas responsáveis pelo empreendimento e os compradores. O magistrado ressaltou que, em respeito do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade deve refletir fielmente a realidade anunciada, com transparência e boa-fé.
“O fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor”, explicou. De acordo com o ministro, a impossibilidade ou a recusa de cumprimento da oferta cria para o consumidor a possibilidade de rescindir o contrato e receber a devolução dos valores pagos, além de indenização por perdas e danos.
No caso dos autos, o ministro relator entendeu que não só as aparências levavam a crer tratar-se de um empreendimento hoteleiro, como também a forma como foram comercializadas as unidades pelo corretor conduziram ao mesmo cenário. Daí a conclusão de que a publicidade “não primou pela veracidade”, violando o CDC, o que autoriza a anulação do negócio.
Lucros cessantes
O principal atrativo do projeto, observou o relator, foi a sua divulgação como empreendimento hoteleiro. O ministro Salomão verificou a “absoluta omissão dos responsáveis pela construção, venda e administração do suposto hotel quanto à inexistência de autorização municipal” para o empreendimento tal qual anunciado.
Para o ministro Salomão, uma vez configurada a publicidade enganosa e demonstrados a perda de ganho e o nexo de causalidade, os lucros cessantes são devidos, porém, “somente em relação às parcelas que os recorrentes deixaram de perceber durante o tempo que mediou a interdição e o funcionamento do edifício anexo”.
Dano moral
Quanto aos danos morais, o ministro Salomão considerou nítida a existência de aflição e angústia que interferiram no equilíbrio e no bem-estar dos consumidores lesados, o que foge à normalidade do aborrecimento corriqueiro do dia a dia.
“Não se está diante de mero inadimplemento contratual a causar aborrecimento cotidiano, mas da configuração de ilícito rigorosamente sancionado pela legislação consumerista, a qual é norma de ordem pública e de relevante interesse social, preconizada pela Carta Maior”, afirmou. A indenização por dano moral foi fixada em R$ 17,5 mil, valor estabelecido na sentença.
O julgamento se deu na Quarta Turma em novembro do ano passado e a decisão foi unânime. O acórdão foi publicado esta semana, abrindo prazo para recursos.