A colidência – semelhança ou igualdade de marcas de empresas diferentes – não ocorre se os produtos são distintos e diferentes as clientelas, ainda que pertençam ao mesmo segmento de mercado. A conclusão foi alcançada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir que a empresa norte-americana Miller Brewing Company, produtora da cerveja Miller, poderá continuar utilizando sua marca no país. O recurso julgado foi interposto pela Indústria Muller de Bebidas Ltda., fabricante das aguardentes Miler e Muller Franco.
O registro da Miller Brewing Company no Brasil, concedido em 1979, caducou. Posteriormente, a Miller requereu novo registro, negado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o fundamento de colidência com o registro deferido à Indústria Muller de Bebidas Ltda. após a caducidade de seu registro anterior. A empresa entrou com ação para invalidar a decisão administrativa, mas o pedido foi indeferido pela 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
O juízo de primeira instância considerou que havia colidência de marcas, já que ambos os produtos, a cerveja da Miller Brewing e as aguardentes da Indústria Muller, pertencem ao mesmo segmento mercadológico – o de bebidas alcoólicas – e, portanto, os consumidores poderiam ser induzidos a erro. Também considerou que o acordo de convivência de marcas assinado pelas partes seria ineficaz perante o INPI.
A Miller Brewing recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que reformou a sentença por considerar que a marca da empresa norte-americana, em razão de ser notoriamente conhecida no seu ramo, seria protegida pelo artigo sexto da Convenção Unionista de Paris. Também considerou que, apesar de estarem no mesmo nicho de mercado, os produtos das empresas seriam diversos.
No recurso ao STJ, a Indústria Muller alegou ser titular das marcas Muller Franco e Miler, tendo seus direitos de uso em todo o território nacional garantidos pelo artigo 129 da Lei 9.729/96 (Lei de Patentes). A decisão do TRF2 também teria violado o artigo 124, inciso XIX, da mesma lei, que veda o registro de marca idêntica para o mesmo produto e a coexistência de signos que se confundam.
Marca notória
A questão no processo era determinar se haveria direito de exclusividade de utilização da marca para todo o segmento do mercado, de forma a abranger também produtos distintos, observou a relatora, ministra Isabel Gallotti. A ministra apontou que a cerveja Miller é mundialmente conhecida e a circunstância de o registro nacional ter sido cancelado não faria diferença nesse ponto, pois o artigo 126 da Lei de Patentes admite a proteção da Convenção de Paris a marcas notórias.
A ministra Gallotti destacou que marcas muito conhecidas, mesmo não registradas no país, são protegidas em face de sua notoriedade internacional. “O legislador conferiu, pois, tutela especial à marca notoriamente conhecida, diga-se, dentro do seu ramo de atividade”, afirmou a relatora.
Acrescentou que, apesar de ambos os produtos se enquadrarem na Classe 35 do Ato Normativo 51 do INPI (que engloba desde bebidas alcoólicas e não alcoólicas até gelo e substâncias para gelar bebidas), isso não sugere, por si só, a possibilidade de confusão para o público. “Distintos os produtos e diferentes as clientelas, não há competição no mercado, nem direito do estabelecimento empresarial recorrente em manter a exclusividade do signo”, asseverou.
Sobre as marcas em discussão, a relatora comentou que a cerveja Miller, notoriamente conhecida no mercado internacional, dificilmente iria se aproveitar das marcas da outra empresa ou lhes causar desprestígio. “Ao contrário, creio que a marca da recorrida [a cervejaria norte-americana] pode até favorecer a recorrente [produtora de aguardentes] com sua boa imagem no mercado”, disse.
Com base nesses argumentos, ela afirmou não haver impedimento para o uso das respectivas marcas por ambas as empresas, como já decidido em precedentes do STJ sobre casos semelhantes. A Quarta Turma acompanhou o voto da ministra de modo unânime.