A sociedade empresarial entre cônjuges

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O art. 977[1]  do Código Civil remonta uma discussão de há muito superada pela doutrina nacional e estrangeira, bem como na jurisprudência. Como sinteticamente assevera o Ilustre Doutor Manoel de Queiroz Pereira Calças[2]  em sua irretocável obra: ?O retrocesso é evidente?.

  

Com efeito, para a exata compreensão do sentido (ratio legis) da vedação estatuída é essencial a análise do período histórico precedente a edição da Lei nº. 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada), onde a mulher ? considerada relativamente incapaz ? necessitava da autorização marital para, v.g., ?…aceitar ou repudiar herança ou legado; exercer múnus familiares (tutela, curatela); exercer profissão ou atividade fora do lar, inclusive comercial; litigar a respeito de seus direito e interesses?[3].

 

Neste contexto, o Insigne Jurista Waldemar Ferreira[4]  explana os motivos que conduziram a afirmação de que a sociedade empresária tendo como únicos contratantes o marido e sua mulher seria nula de pleno direito: ?Se o casamento é sociedade universal, na qual, mercê da comunhão, os direitos e as obrigações do marido são direitos e obrigações da mulher, pertencendo a ambos o mesmo patrimônio ? a constituição por êles [sic] de sociedade mercantil importa na existência de duas sociedades com os mesmos sócios, patrimônio, direitos e obrigações. Não passará do deslocamento da sociedade conjugal em sociedade mercantil, operando debaixo de firma social. Duas sociedades autônomas, com o mesmo acervo. Ou, melhor, sociedade bifronte: civil de uma lado, comercial do outro. Isto, se o regime fôr [sic] o da comunhão geral de bens?. (grifo nosso)

  

Todavia, com o advento da Lei nº.4.121/1962, cessou-se a relação de dependência econômica da mulher no regime da comunhão universal que, deslocava para a administração do marido ?…tudo o que traz para o acervo conjugal, sem nada receber em troca, porque também na gerência dele inscrevem-se os adquiridos?[5]. O Estatuto da Mulher Casada deu origem aos chamados ?bens reservados?, isto é, dentro do regime da comunhão de bens, constituem patrimônio separado os frutos do trabalho ou profissão exercida pela mulher, independentemente do marido, assim como os bens, móveis, que ela adquire com seus proventos ou rendimentos.

 

Ademais, o art. 3º. do analisado diploma legal preceituou que ?…pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime da comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite da meação …?[6] (grifo nosso)

 

Assim, conclui o Notável Rubens Requião[7]: ?Em sua emancipação a mulher casada adquire a meação de seus bens, distinta da do seu marido, mesmo no regime matrimonial da comunhão, e por isso mesmo com ele pode legitimamente associar-se?. (grifo nosso)

 
Malgrado tal asserção, o art. 977 do Código Civil, contraria o entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência em permitir a contratação de sociedade limitada entre cônjuges. Trata-se de um descompasso inadmissível tendo em vista que a nova Lei Civil em vigor ? Lei nº. 10.406/2002 ? resultou do Projeto de Lei nº. 634/1975, enquanto que a Lei nº. 4.121, que extirpou tal controvérsia, data de 27 de agosto de 1962

 

No que concerne a extensão da proibição também quanto ao regime da separação obrigatória, não nos afigura qualquer motivo de ordem lógica ou doutrinária; contudo, é importante destacar que tais sociedades empresárias ? compostas por marido e mulher ? serão consideradas nulas de pleno direito quando efetivamente demonstrado o objetivo de burlar o regime matrimonial, fraudar credores ou a lei, hipótese em que se aplica a teoria da desconsideração da persolalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).

 

Em que pese o disposto no art.2.031[8], não há necessidade das sociedades anteriormente constituídas promoverem a alteração do quadro societário ou mesmo dos sócios pleitearem a modificação do regime matrimonial com fulcro no art. 1.639, § 2º.

  

Antes do Novo Código Civil inexistia qualquer previsão legal que expressamente declarasse os cônjuges incapazes para entrarem simultaneamente num contrato de sociedade. Portanto, neste caso, não há efeito retroativo em respeito ao ato jurídico perfeito ? já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou –  (art. 5º., inciso XXXVI, da Constituição da República c.c. art. 6º. da Lei de Introdução ao Código Civil). No mesmo sentido é o parecer jurídico nº. 125/03 do DNRC. Já decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal: ?As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos ? que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) ? acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. 2. A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas? (STF ? RE 205.193 ? RS ? 1ª T. ? Rel. Min. Celso de Mello ? DJU 06.06.1997).

 


Por fim, destacamos que a arcaica discussão retomada pelo art. 977 do Código Civil será, definitivamente, suprimida passando o dispositivo a ter a seguinte redação: ?Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros?.

 

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[1]. Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.

[2]. Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p.58.

[3]. Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. v. 5. 11ª.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 112.

[4]. Tratado de Direito Comercial. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1961, p.150.

[5]. Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. v. 5. 11ª.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 124/125.

[6]. Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p.55.

[7]. Curso de Direito Comercial. v.1. 17ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p.342.

[8]. Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de 2 (dois) anos para se adaptar às disposições deste Código, a partir de sua vigência igual prazo é concedido aos empresários.

Fonte: Luiz Carlos Pantoja Advogados